...Às vezes dá-me p`a ler outras pra escrever, às vezes dá-me p`ouvir outras pra cantar, às vezes dá-me p`a rir outras p`a chorar... Eis que apenas "eu" e os "outros" vivemos no mesmo mundo, não assim tão longe...

22/07/2009

...escrever-te perdidamente...

No texto ou carta abaixo... substitui apenas, açucar por mimos, bela por malu, e rita por outro nome e tenta responder-me : O amor...a vida... a dor... é cíclica? Passamos nós tanta vez pelo mesmo e, não aprendemos de nenhuma das vezes ? Já vivi isto... já te escrevi isto... e no entanto aparece aqui, escrito em 13/03/1920. por alguém que não eu, mas tenho a certeza, que como eu... será que ela te escreveu primeiro? É por estas e por outras, que escrevo...porque sei que um dia, me vou reencontrar... e é por estas e por outras, que encontro escritas, que teimo em não duvidar na (re) reencarnação, ressurreição, repetição, respostas... que só quando leio ou escrevo me dão. E desta vez, eu, ou eu nos outros, escrevi sim, só posso ter sido eu, para ti... ou relê e vê...


malu

"(...) Em breve poderei sair contigo e se me não apetecer sair de dia, sairei de noite que é ainda mais poético e mais cómodo; não és da minha humilde opinião? Tu, afinal, com o teu muito amor por mim, mostras precisamente o contrário, visto que me podes prejudicar o mais possível e afinal por uma coisa sem importância nenhuma mas a que todos os outros, na sua estupidez, acharão imensa. E, de resto, eu ando sempre contrariadíssima, em parte alguma estou bem e mostro-me, por conseguinte, desagradável e impertinente, coisa que eu não sou absolutamente nada. Chego muitas vezes a ser malcriada e hoje, por exemplo, estava verdadeiramente insuportável. Desta forma, não achas melhor adiar os nossos passeios por algum tempo? É melhor, muito melhor por tudo. Obrigada pelo chá e pelos bolos; hei-de pagar-lhe tudo isso, um dia que, se Deus quiser, virá bem perto. Sou muito tua amiga, sabes? E tenho a certeza que tu és o meu maior amigo, o mais dedicado, o melhor de todos. Como eu o vi hoje bem! Como tu és leal e bom! Tão diferente de todos os outros homens que para te pagar o que no futuro hei-de dever-te, será pequena a minha vida inteira, mesmo que ela seja imensa. Os outros, amando as mulheres, são como os gatos que quando acariciam, é a eles que acariciam. Amar não é ser egoísta, é tantas, tantas vezes o sacrifício de nós próprios! A dedicação de todos os instantes, um interesse sem cálculo, uns cuidados que em pequeninas coisas se revelam e o pensamento constante de fazer a felicidade de quem se ama. É assim que eu compreendo e que eu sonho um grande amor que nunca se esqueça. Em tão pouco tempo, como pudeste tu gostar de mim, assim como gostas? Gostaste assim da Rita, assim da mesma forma, assim da mesma maneira? E no entanto, meu querido amigo, talvez melhor te fosse casares-te com ela! Ela sempre é uma rapariga com a alma nova, sem recordações, sem saudades. Hei-de ter dias, em que todo o teu afecto não conseguirá arrancar-me a mim mesma. A grande alma revoltada, a grande alma de artista que aprendeu a conhecer a vida, há-de sentir-se triste em muitas, em muitas horas! Tu serias talvez mais feliz com a Rita, ela talvez fosse capaz de te fazer mais feliz. A tua alma é simples, tanto quanto a minha é complicada. Tu és simplesmente, lealmente um homem, e, eu... eu sou uma mulher, e uma criança, e uma artista que se julga alguém. Vê, meu amor, que complicação!
No entanto, ama-se quem se ama e não quem se quer amar. (...) Ela não seria tão exigente, eu sou-o muitíssimo. Preciso de toda a vida, de toda a alma, de todos os pensamentos do homem que me tiver. Preciso que ele viva mais da minha vida que da vida dele. Preciso que ele me compreenda, que me adivinhe. A não ser assim, sou criatura para esquecer com a maior das friezas, das crueldades. Eu tenho já feito sofrer tanto! Tenho sido tão má! Tenho feito mal sem me importar porque quando não gosto, sou como as estátuas que são de mármore e não sentem. (...) De ti gosto muito e porque vejo em ti aquilo que nunca encontrei: a máxima lealdade com a máxima ternura, feita de um verdadeiro interesse pela minha felicidade, tanto como pela tua. Impossível pedir mais a um homem que é o animal mais egoísta que pisa a terra! Nunca serei ingrata e nunca por querer te farei mal. Porque nos encontramos nós? Estranha coisa o destino das nossas vidas, não é? Que elas andem sempre juntas e que nunca sonhem caminhos diferentes quer eles sejam tapetados de rosas, quer as saudades e os lírios roxos os vistam de mágoa e de tormento. Não é assim, amor meu? (...)

Tu então comparas a pressa de passares a vida junto de mim, com a pressa em tirar o retrato?!!... Ora, não há!...

Quero açúcar,
já disse, já disse, já disse, já disse.

Saudades. Gosto de ti.
Bela"
Florbela Espanca in «Perdidamente»

Sem comentários:

Enviar um comentário

... o eco do que sentimos é sempre bom de ouvir ...